Deve ser
possível contar nos dedos quantos amigos José Serra tem nas redações. Quase
ninguém na mídia é “serrista”. Não nas redações dos jornais, das tevês e das
rádios. Há exceções claro, e pelo que soube esta semana o editor-chefe de um
grande jornal teria trabalhado para Serra, mas isto não significa que ele tenha
pelo ex-chefe profunda admiração. Serra também não deve ter muitos amigos entre
os acionistas das empresas de comunicação. Serra sempre foi apenas uma
alternativa possível da imprensa a Fernando Henrique Cardoso para enfrentar
Lula e, depois, a candidata de Lula.
Quem finge
gostar de Serra nas redações, excetuando os amigos do peito, caso ele os tenha,
na verdade não gosta mesmo de Serra – apenas o prefere a Lula. Jornalista que
apoia Serra – de novo com as exceções possíveis – o faz por não gostar de Lula,
e não gosta de Lula por vários motivos, razoáveis ou não: preconceito,
antagonismo político, por considerá-lo populista, por conservadorismo,
preferência clara por FHC etc. A imprensa protege Serra por falta de coisa
melhor. Fará o mesmo com Aécio Neves, caso ele vire candidato, por motivo
idêntico.
Não corre
risco de perder quem apostar que Ricardo Noblat não tem qualquer identificação
com Serra. Não seria estranho descobrir que Eliane Cantanhêde, Dora Kramer,
Lúcia Hipólito e tantos outros, mesmo que queiram no poder alguém que
considerem melhor que Lula e Dilma, e certamente querem, ficariam satisfeitos
se a opção não fosse Serra nem Aécio. Especulo sobre a vontade destes poucos jornalistas, todos
muito conhecidos, mas poderia estar falando da maioria. Cito-os porque estão
entre os mais citados.
Serra não é
diferente da maioria das fontes: detesta jornalista. Também não gosta de dono
de jornal, mas os adula e quase sempre obtém deles o que precisa. Serra
gostaria de demitir qualquer jornalista que fizesse matéria negativa para a
imagem dele, e é possível que já tenha conseguido isso, embora não seja
provável que tenha sido bem sucedido na maioria das tentativas. Hoje em dia,
isto não é tão fácil como já foi.
E é aqui que
trago ao assunto o livro A privataria tucana,
sobre o qual a imprensa tradicional faz pesado silêncio.
Decididamente,
os colunistas e os editores, pelo menos a maioria, não estão fingindo ignorar o
livro de Amaury Ribeiro Jr para proteger Serra. Suspeito que até que alguns
achariam divertido ver Serra em maus lençóis, tendo que se explicar sobre as
acusações que sofre no livro.
Também não
creio realmente que colunistas e editores desprezem o livro porque acreditam
que Amaury foi contratado por assessores da campanha petista no ano passado
para espionar Serra ou vender informações contra os tucanos. Todos eles sabem
que esta foi uma, e apenas uma, das mentiras inventadas durante a campanha.
Este foi um
dos fatos “esquentados” na campanha para beneficiar a oposição. Para os jornais
e para as emissoras que dedicaram enorme espaço e tempo a este factóide fica
muito difícil, agora, admitir que “não foi bem assim”. Como seria difícil,
mesmo agora, noticiar que a agenda de Lina Vieira jamais apareceu e que Rubnei
Quicoli já confessou que mentiu. Como foi difícil admitir com clareza que a
ficha policial atribuída a Dilma era uma montagem mal feita.
Isto seria
mais do que um “erramos”. Seria um “mentimos”.
Os jornalistas também sabem que, mesmo sendo meio
falastrão e parecendo um tanto estabanado, Amaury é um grande repórter, é
honesto e não está mentindo ou, para ser mais isento, pelo menos acredita que
está contando a verdade. Sabem, por fim, que a origem desta história que
resultou num livro está na reação de Aécio Neves a uma ação mafiosa típica dos
serristas.
Por que,
então, os colunistas, editores e jornalistas da
maioria dos grandes veículos fingem ignorar o livro?
Porque
obedecem à linha editorial dos jornais e das emissoras em que trabalham.
Obedecem, agora, e sempre obedeceram. (E aqui, em nome da isenção, acrescento a
parte que me toca: eu mesmo, quando trabalhei nas grandes redações, me sujeitei
à linha editorial dos veículos e se eventualmente me insurgia internamente
contra elas, tentando modificá-las, nunca deixei de segui-las
disciplinadamente, uma vez derrotado em minhas posições. Ou pedia o meu boné.)
O que mudou,
então? Por que os jornalistas se vêem obrigados a depreciar publicamente um
colega de profissão, como o Amaury, com quem, aliás, muitos deles conviveram
amistosamente? E por que estamos vendo jornalistas importantes entrando em
guerra com seus leitores por causa de um livro que, se pudessem, tratariam como
notícia ou comentariam?
Arrisco uma
resposta: porque hoje os leitores pisam nos calos destes jornalistas, o que há
uma década atrás – ou menos – não acontecia.
No meu tempo,
e vale dizer também no tempo do Noblat, da Dora, da Eliane, do Merval, o leitor
não existia como figura real. Era um anônimo, mal representado, diariamente, em
uma dúzia de cartas previamente selecionadas para publicação e devidamente
“corrigidas” em seus excessos de linguagem. Tem gente que não lembra, porque
começou a ler jornal depois, mas naquele tempo nem e-mail existia, exceto,
talvez, como forma de comunicação interna das empresas.
Noblat, Dora,
Merval, Eliane (e eu) escreviam, editavam e publicavam o que queriam,
desde que não contrariassem os acionistas, representados pelos diretores de
redação. Por acaso, dois dos citados foram diretores de redação e eu fui
editor-chefe adjunto no Globo e editor-chefe do JN.
Não eram – não éramos – contestados por ninguém. Quem não gostasse que se
queixasse ao bispo, ao editor de cartas – por carta, claro – ou então que
suspendesse a assinatura ou mudasse de canal.
Publicavam o
que queriam, autorizados pelos donos, e continuam agindo da mesma maneira, mas
hoje são imediatamente incomodados, cobrados, questionados, xingados pelos
leitores, por e-mail, em blogs, por tuites e por caneladas no Facebook.
Fazem a mesma
coisa – obedecer à linha dos seus jornais – só que agora têm que dar
explicações a um grupo crescente de chatos, nem sempre bem educados, e não
podem botar a culpa no patrão. Não podem dizer notwitter: “Olha, gente, eu não vou escrever sobre o
livro do Amaury porque o meu jornal decidiu ignorá-lo, pelo menos por
enquanto”.
Aparentemente,
só existe uma opção: justificar a censura do livro nos seus veículos por meio
da depreciação do autor, que está sendo chamado de louco e de venal – o que ele
nunca foi, nem quando era um deles, época em todos o exaltavam como um dos
maiores repórteres do país. Mesmo porque o ex-PM João Dias, o escroque Rubnei
Quicoli e até Pedro Collor nunca foram tratados como cidadãos de reputação
ilibada e nem por isso deixaram de ser considerados fontes válidas por estes e
por quase todos os demais jornalistas. E estas fontes nem se deram ao trabalho
de tentar provar o que diziam.
A alternativa
a declarar-se censurado ou tolhido é entrar em guerra com uma parte dos
leitores, buscando apoio em outra parte, neste caso naquela que detesta Lula,
Dilma e o governo petista. Cobrados, reagem no mesmo tom. Acossados, pedem
ajuda ao “outro lado”.
O autor deste
texto trabalhou em pequenos e em grandes veículos. Também trabalhou como
assessor de imprensa de empresários e de políticos, de vários matizes. É o que
faz agora, como redator, razão pela qual fechou temporariamente o blog que mantinha para emitir opiniões.
Entende que assessoria de imprensa, ainda que seja um trabalho digno e
necessário, não é jornalismo, porque não lhe dá o direito à isenção. Continua
analisando a imprensa, como cidadão, de maneira não-metódica, mas toma o
cuidado de não depreciar pessoalmente aqueles que eventualmente critica. Não se
julga melhor do que ninguém, nem sabe, francamente, como agiria hoje, na mesma
situação dos colunistas e jornalistas dos grandes veículos – exceto que,
talvez, evitasse o twitter e o Facebook, onde o
confronto é muito mais agressivo.
Mas aos que
alegam que é preciso ignorar o livro do Amaury porque ele foi acusado disso ou
daquilo e não seria um autor confiável, responde com uma experiência pessoal.
Editor do Globo em 1992, uma noite recebeu na redação
o livro Passando a limpo, a Trajetória
de um Farsante, de autoria de, vejam só, Dora Kramer e Pedro Collor
de Mello. O livro trazia acusações tão pesadas contra Fernando Collor que, em
alguns casos, a prova dependeria de exame de corpo de delito. O editor teve que
ler o livro em duas horas, para escrever uma resenha rápida, que seria
publicada na edição do dia seguinte.
Naquela
época, no Globo e, creio, nos demais jornais, não era
possível ignorar uma peça de acusação tão enfática, ainda que desprovida de
provas. Nem era possível guardar para ler depois. E pouco importava se a origem
das acusações de Pedro contra Fernando era uma briga entre irmãos envolvendo
até mulher. Era notícia, e pronto.
Mário Marona é jornalista.
Muito bom texto.
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